Introdução
A
partir da década de 50 foram evidenciados os filamentos finos e grossos e suas
respectivas distribuições em bandas I (isotrópicas) e bandas A (anisotrópicas).
Posteriormente essas informações se confirmaram, fundamentando novas pesquisas sobre
o mecanismo de contração muscular. Considerando a fisiologia da
contração, a morfologia do tecido e suas capacidades contráteis e metabólicas,
os músculos apresentam características plásticas que se adaptam aos estímulos,
sendo a regeneração uma dessas formas.
Sobre
a capacidade de reparo do músculo adulto, existem informações documentadas
desde a segunda metade do século XVIII. Eram aplicados estímulos químicos e
físicos nas fibras e observadas às modificações. No século XX foi definida a existência
das células satélites como populações de células miogênicas encontradas entre a
lâmina basal e a membrana plasmática da célula muscular. Na recuperação da
lesão, essas células são recrutadas na recomposição da cito-arquitetura muscular
e potencializadas na presença de complexos anabólicos.
Desde
a antiguidade, secreções provenientes dos órgãos sexuais eram utilizadas como
estimulantes para o desenvolvimento muscular, aumento da força física e intelectual.
A finalidade atlética dos agentes anabólicos foi difundida pela comercialização
dos preparados de testosterona e o uso durante competições olímpicas. Quando
utilizados com essa finalidade, os derivados da testosterona podem gerar
efeitos benéficos no desempenho atlético.
Assim sendo, o presente trabalho tem por objetivo reunir informações
recentes sobre os aspectos morfológicos da regeneração músculo-esquelético
associada ao uso dos esteróides anabolizantes. Para essa atualização foram pesquisadas
as bases eletrônicas de dados Medline, Lilacs e Scielo, bem como a utilização
de livros, monografias e dissertações da área. Para busca deste material foram
utilizados os seguintes descritores: músculo esquelético, células satélite, regeneração
muscular, esteróides anabolizantes, consultados em 2006.
Músculo
estriado esquelético
Fibras
musculares esqueléticas são formadas pela fusão de células precursoras chamadas
de mioblastos. São alongadas e apresentam aspecto fusiforme, com núcleos
periféricos e numerosos. Aproximadamente 80% do volume citoplasmático das
fibras musculares estriadas esqueléticas são constituídos de miofibrilas,
localizadas paralelamente ao eixo longitudinal da fibra conferindo-lhe aspecto
estriado. Possuem disposição em sarcômeros, sendo a miosina o componente
principal do miofilamento grosso e a actina o principal constituinte do miofilamento
fino. Cada fibra é envolvida por uma fina camada de tecido conjuntivo, denominada
endomísio. Outra camada de tecido conjuntivo, o perimísio, circunda feixes de
fibras musculares e por fim,circundando todo o músculo, há uma camada de tecido
conjuntivo fibroso, conhecida como epimísio.
O
músculo esquelético é um sistema motor altamente organizado e regulado. A chegada
do impulso nervoso ao sarcolema da célula muscular e a conseqüente
despolarização de membrana inicia o processo de contração. Em seguida, ocorre a
liberação do cálcio do retículo sarcoplasmático para o sarcoplasma, gerando uma
interação cíclica entre a miosina e a actina. Independente do tipo de fibra, a
interação das proteínas que formam o músculo esquelético com diferentes íons
bem como com a molécula de ATP e seus produtos de hidrólise, promovem mudanças
estruturais que vão levar à contração da musculatura esquelética.
Lesão
e regeneração muscular
A
lesão é caracterizada por rompimento dos miofilamentos, anormalidades
mitocondriais, descontinuidade sarcolemal e um desequilíbrio hidroeletrolítico
dos constituintes celulares que ativam enzimas intracelulares e outras
proteínas, como fatores do complemento que desencadeia o mecanismo de lise
celular apresentando também propriedades quimiotáticas, principalmente para
macrófagos no sítio da lesão. Músculos esqueléticos de mamíferos apresentam
habilidade de regeneração após vários tipos de lesão.
A
capacidade de adaptação músculo-esquelético a diferentes estímulos denomina-se
plasticidade das fibras musculares. A capacidade plástica de regeneração
muscular é possível devido às características estruturais da fibra muscular e, principalmente,
pela presença das células satélites que estão diretamente envolvidas no
processo de regeneração muscular.
Durante
o mecanismo lesivo, o músculo esquelético apresenta notável habilidade na
ativação de várias respostas celulares, impedindo a conseqüente perda de massa
muscular. O estímulo para o início do processo regenerativo é a necrose do
tecido lesado e a ativação da resposta inflamatória. Então, proteínas existentes
na lâmina basal sinalizam para que células satélites migrem até o local de lesão
e se diferenciem em mioblastos. As células miogênicas proliferam-se e se
diferenciam para formação de uma nova miofibrila, reconstituindo o mecanismo de
contração.
Além
das células satélites, o tecido muscular possui outra população de
células-tronco denominadas células periféricas. Essas células são capazes de
gerar fibras musculares e, dessa forma, participar da regeneração músculo
esquelética.
Alguns
autores afirmam que depois de regenerado, o músculo esquelético apresenta
populações de fibras centro nucleadas e discreto infiltrado inflamatório no
espaço intersticial, além de sensível aumento no diâmetro das fibras tratadas
com esteróides.
A
extensão e o sucesso da regeneração variam com a natureza da lesão, em todas as
situações o processo envolver e vascularização, reinervação, infiltração
celular, proliferação efusão das células.
Epidemiologia
do Consumo dos Esteróides Anabolizantes
Diferentes
países apontam o aumento do consumo dos anabolizantes entre jovens
fisiculturistas e atletas. Nos Estados Unidos, um estudo populacional estimou
em mais de um milhão o numero de usuários de anabolizantes. Em
relatório recente, o National Institute on Drug Abuse (NIDA) informou
que a porcentagem de estudantes do curso secundário (high school)que
utilizou essas substâncias cresceu 50% nos últimos quatro anos, passando de
1,8% para 2,8%.
No
Brasil, estudos que abordam o uso de anabolizantes são escassos, não existindo
dados epidemiológicos que indique na extensão do consumo dessas substâncias. Alguns
indícios,no entanto, indicam que o uso de anabolizantes está crescendo entre os
jovens pertencentes a diferentes classes sociais, podendo representar, em
breve, um importante problema de saúde pública. Sabe-se ainda, segundo
estimativa do CEBRID(Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas
Psicotrópicas),que o consumidor preferencial no Brasil está entre os 18 a
34anos de idade e, em geral, é do sexo masculino.
Indivíduos
jovens do sexo masculino são os principais usuários de esteróides em academias
de São Paulo. A administração das drogas ocorre em quantidades maiores que as
terapêuticas e com associação de diferentes tipos.
Esteróides
anabolizantes
Os
hormônios esteróides anabólicos androgênicos (EAA) são derivados sintéticos da
testosterona6
que é produzida nos testículos e no córtex-adrenal, promovendo as
características sexuais secundárias associadas à masculinidade. Os EAA são administrados
geralmente no tratamento de sarcopenias, do hipogonadismo, do câncer de mama e
da osteoporose. Nos esportes, são utilizados para o aumento da força física e
massa muscular. Os efeitos dos compostos de testosterona no sistema músculo esqueléticos
potencializam o aumento do volume e do número de fibras musculares e peso
corporal com conseqüente aumento na geração de força muscular. Os
ganhos de força são de aproximadamente 5-20% e os incrementos iniciais de peso corporal
são de 2-5 quilogramas, que podem ser atribuídos ao aumento da massa magra. Os
valores das mudanças induzidas na massa gorda e na massa magra estão
correlacionados com a dosagem e concentração de testosterona, modulando os receptores
de androgênios e inibindo a formação de células adiposas. Os efeitos colaterais
relacionados ao uso contínuo de esteróides anabólicos são bastante numerosos e
de graves conseqüências, tais como: câncer de fígado, hipertrofia cardíaca,
hipertensão arterial, dores ósseas, hipertrofia da próstata, cefaléia grave, redução
grave dos níveis de colesterol HDL, aumento do colesterol LDL, morte. Em homens,
o uso de esteróides anabólicos pode causar a diminuição do tamanho dos
testículos, a contagem de espermatozóides é reduzida, impotência, infertilidade,
calvície, desenvolvimento de mamas, dificuldade ou dor para urinar e aumento da
próstata. Em mulheres, é comum que ocorra crescimento de pêlos faciais,
alterações ou ausência de ciclo menstrual, aumento do clitóris, voz grossa e
diminuição de seios. Já em adolescentes, a maturação esquelética prematura e a
puberdade acelerada levando a um crescimento raquítico, são os efeitos mais
comuns.
Esteróides
anabolizantes e regeneração muscular
Quando
utilizados em tempo adequado, ou seja, concomitantemente à regeneração
muscular, os esteróides anabólicos, auxiliam na velocidade de recuperação do
trauma, e os componentes morfológicos deste processo são amplamente investigados.
O
tratamento prévio com derivados da testosterona pode alterara expressão
morfológica do ciclo celular regulador relacionado ao crescimento do músculo no
início de uma sobrecarga funcional.
Durante
o processo regenerativo do músculo esquelético, compostos químicos que possuem
mecanismo de ação semelhante à testosterona visam o aumento da massa muscular, com
conseqüente incremento da síntese protéica e balanço nitrogenado positivo, além
da modulação do metabolismo do cálcio. Assim, argumentos que tentam
explicar as ações dos esteróides anabólicos androgênicos referentes a força e
massa muscular sinalizam para o aumento da síntese de proteínas,para a
diminuição da degradação de proteínas, para a inibição dos efeitos catabólicos
dos glicocorticóides, para o aumento da taxa de transcrição gênica, para o
efeito sobre a parte central do sistema nervoso, bem como para a junção
neuromuscular,melhorando deste modo a capacidade de recuperação. A utilização
de agentes anabólicos na terapêutica de algumas lesões musculares fundamenta-se
na atividade catabólica que essas substâncias regulam no organismo. Esteróides anabolizantes
auxiliam na recuperação das células musculares lesadas restabelecendo a
fisiologia normal da fibra afetada. O efeito dos anabolizantes em tecidos é
antagônico à ação catabólica dos glicocorticóides através da inibição de
receptores citoplasmáticos na fibra muscular. Dessa forma, os níveis normais de
síntese de proteínas são mantidos pelo aumento da transcrição do DNA para as
proteínas das miofibrilas, assim como ampliação da ativação das células
satélites, impulsionando a hipertrofia muscular. É aventado na
literatura que os androgênios podem aumentar a síntese protéica através da estimulação
intramuscular da expressão do gene para IGF-I(insulin-like growth factor –
I), podendo também reduzir a atrofia muscular em modelos experimentais.
A
testosterona induz a hipertrofia do músculo esquelético pela modulação da
diferenciação das células mesenquimais, conduzindo a melhora da força muscular. Supõem-se
ainda, que as células satélites também participem do processo de hipertrofia
muscular. Segundo
alguns autores, a ativação das células satélites é a chave desse processo e é
acentuada pelo uso do esteróide. A
incorporação das células satélites em fibras musculares pré-existentes mantém
uma razão citoplasma/núcleo constante e parece ser o mecanismo fundamental para
o crescimento das fibras musculares.
Destaca-se
ainda que, os efeitos anabólicos geram retenção de nitrogênio, um componente
básico da proteína, promovendo o crescimento e o desenvolvimento da massa
muscular através de uma melhor utilização da proteína ingerida.
Estudo
em Distrofia Muscular de Duchene mostra que o uso de anabolizantes aumenta a
taxa de síntese e concentração de albumina e que esta é essencial na regulação
do metabolismo da proteína muscular e os efeitos anabólicos dos anabolizantes sinalizam
para uma diminuição da degeneração muscular, necessitando de futuras pesquisas
para maiores esclarecimentos.
Estudo
sobre o efeito dos esteróides anabolizantes na regeneração do músculo lesado
por toxina de cobra em ratos mostra que os esteróides (Nandrolona) têm um papel
na síntese de proteínas contráteis nos músculos e que o grupo esteróide combinado
com exercício não é benéfico para a regeneração. Em outro estudo,
avaliando as propriedades contráteis dos músculos lentos e rápidos regenerados,
nas mesmas condições experimentais citadas acima, e tratados com o uso de esteróides
(Nortestosterona, intramuscular, 2mg X kg X Semana) ou exercício físico
(endurance na esteira, 60 minutos por dia),mostram nenhuma melhora nas
propriedades contráteis isométricas desses músculos.
Um
caso clínico mostrou em um atleta que, por mais de 10 anos, administrou drogas
entre elas, esteróides anabolizantes para aumentar seu desempenho, desencadeou
uma ruptura do quadríceps femural. Efeitos atribuídos ao uso dos
esteróides anabolizantes no tecido conjuntivo são incertos, mas estudos animais
mostram mudanças no colágeno com displasia fibrilar que levam redução na força
tensil. A cicatrização também é adversamente afetada e as mudanças são mais
óbvias quando esteróides anabolizantes são combinados ao exercício.
Pesquisadores
verificaram o efeito dos esteróides anabolizantes (decanoato nandralona 20
mg-kg e do corticoesteróide (acetato metilprednisolona, 25 mg-kg) na
regeneração de músculo lesado de ratos após contusão muscular grave. A
regeneração foi determinada pela tensão contrátil ativa e análise
histológica.Esse estudo mostra que, corticoesteróide é benéfico em curto tempo
(2 dias pós-lesão), mas causa alterações irreversíveis na regeneração muscular
a longo tempo (7 e 14 dias pós-lesão),incluindo desordem na estruturação das
fibras musculares e uma marcada diminuição na capacidade de geração de
forca.Enquanto, esteróides anabolizantes melhoram a regeneração muscular e
aumentam a recuperação na capacidade de geração de forca (2, 7 e 14 dias
pós-lesão).
Apesar
desses resultados, os esteróides anabolizantes são considerados drogas
renegadas, elas podem ter uma aplicação clínica ética para melhorar a
regeneração em lesões por contusões musculares graves, mas seu uso no
tratamento de lesões musculares necessitam de investigações futuras, que se preocupem
em permitir a comparação de resultados, por meio da apresentação de fatores,
como espécie usada, gênero e idade, tipo de músculo estudado, condições
experimentais, esteróides anabolizantes usados, as doses, o modo e o período de
administração dos mesmos.
Considerações
finais
Recentes
pesquisas comprovam que os traumas musculares são comuns na prática clínica,
envolvendo principalmente atletas. O conhecimento dos eventos da ativação das
células satélites é fundamental para o planejamento de terapias que promovem o
crescimento e a regeneração das fibras danificadas.
A
modulação dos eventos morfo-fisiológicos ainda não é bem compreendida. O
tratamento com os derivados da testosterona proporciona uma alteração tecidual
no músculo esquelético, favorecendo a recuperação de força e a regeneração
tissular, preservando a integridade da fibra muscular. A administração dos
esteróides anabolizantes proporciona ainda a hipertrofia muscular pela
modulação dos receptores androgênicos.
Embora
alguns estudos comprovem o favorecimento do mecanismo regenerativo pelos
esteróides, conclui-se que ainda são necessários fundamentos mais precisos
sobre a atuação dos anabólicos nos processos de recuperação do trauma muscular,
principalmente em modelos experimentais humanos.
Os autores desse trabalho de atualização
participaram desde a concepção ao desenvolvimento, assim como, na revisão
crítica do seu conteúdo intelectual. Este trabalho está relacionado à uma
monografia de especialização e os docentes participantes estão envolvidos nas
áreas de Fisioterapia (plasticidade muscular), Educação Física e Ciências
Nutricionais.